É estranho você mochilar em grandes cidades como Londres,
Paris, Barcelona, Roma, Berlim, New
York, Washington, Lisboa, Toronto, Montreal e não conhecer sua própria cidade –
São Paulo, que na verdade não é bem minha cidade, uma vez que nasci e vivo em
Oz (Osasco). Sempre que vou para a “capital”, vou para comprar alguma coisa ou
na Santa Ifigênia (meu reduto favorito) ou na 25 de março, porém, a gente foca
tanto nas compras é não vê a cidade como um ponto turístico. Enfim... ontem, eu
decidi não comprar nada. Não queria sacolas ou pesos. Queria apenas turistar.
Dei uma busca no google para conhecer Sampa à pé, mas não consegui achar nada
muito consistente como um mapa turístico. Decidi andar e simplesmente andar...
mas por onde começar? Liberdade. Achei bonito o nome da estação, por isso optei
em ter a Liberdade de ir e vir em minha própria terra e fui.
Que bairro gostoso, que bairro colorido. Delicinha entrar
nas lojinhas da rua Galvão Bueno. Achei aquelas sombrinhas inversas por lá, bem
mais barato que paguei em Montreal. Quase cortei os pulsos (risos). Tem muita coisa diferente por lá e qualquer
dia eu volto para “comprar” umas coisinhas geeks... mas resisti bravamente e
continuei minhas “pernadas” passando por um simpático jardim oriental.
Que legal! Um semáforo com caracter em japonês. Bem original
J
Segui reto pela rua da liberdade e vi umas construções
diferentes. Resolvi xeretar e acabei entrando no sebo do Messias. É muito livro
antigo, separados por assuntos, sem contar vinis, CDs, quadrinhos.
Continuei minha caminhada e lá estava ela. A catedral da Sé.
Nunca tinha entrado para ver como era lá
dentro. Sentei-me solenemente em um dos bancos de madeira e fiquei a admirar os
vitrais, as colunas, o teto. Quanta arte. Impressionante.
Ao sair tinha muito morador de rua nas intermediações e uma
fonte de cor turva. Tinha um pregador pentecostal, tinha policiais, tinha
turista. Fiquei pensando qual era a história de cada um?
Segui adiante, indo para o lado direito e
acabei chegando ao solar da marquesa de santos. Tinha uma mostra de Yolanda
Penteado. Entrei e me deliciei com as
fotos de São Paulo nos anos 40 e descobri a primeira história que estava procurando
– Yolanda Penteado, sua vida e suas paixões.
Segui com minhas andanças e cheguei ao pateo do Collégio.
Também nunca tinha entrado ali. E que oásis em meio a São Paulo. Deu até
vontade de tomar um café. Mas estava bem cheio e acabei apenas admirando um
pouco do ambiente e saindo em seguida.
Nem sabia que a 25 de março estava não próxima, mas ali do
alto da São Bento, já avistei a rua mais coloridamente borbulhante de São Paulo. Só que antes de descer, porque
queria ir até o lendário Mercado Municipal, fui atraída por uma música no Largo
São Bento. Era uma artista de rua, mas que interpretava clássicos da mp3.
Sentei-me ali, perto de dois imensos tabuleiros de xadrez e fiquei analisando e
partida e ouvindo aquela música. As flores de uma árvore caiam abundantemente
no solo, remetendo ao local uma aura de vida. Novamente fiquei pensando nas
histórias que cada uma daquelas vidas tinham para contar. Os jogadores de xadrez conversavam
descontraidamente e se tratavam por apelidos. Era o aguinha, o homem com uma
garrafa de “agua”, mas que com certeza não era água que tinha ali, tinha o professor, que depois disse para mim que não
era professor, tinha um morador de rua, dominando uma das partidas, tinha outro
dormindo em um canto, e dezenas de pessoas sentadas em cadeiras de praia
tomando um sol ou uma sombra na cidade de concreto. Tinha uma base da polícia
ali por perto.
A igreja de são Bento estava bem ali em frente. Entrei para
ver como era a sua construção. Não era tão suntuosa como a catedral da Sé, mas
tinha sua peculiar beleza sacra.
Já era mais de 15 horas. Estava com fome. Tomei coragem e
desci a Florencio da Abreu até o mercado municipal. Acho que cheguei tarde e
muitas barracas estavam quase que desativadas. Fiquei meio decepcionada. Já
tinha ouvido falar tanto do mercado municipal, mas deduzi que o ponto alto dele
é pela manhã, assim sendo, perdi o pique e nem acabei comendo por ali, pois queria experimentar
frutas exóticas e o famoso pastel de bacalhau.
Voltei pela Senador Queiros e comi no bar e restaurante
Milano - um file de peixe com camarão,
arroz e purê. Um prato bem servido por 32 reais.
Prossegui na Senador Queiros e entrei na Igreja de Santa
Ifigênia. Na porta da igreja, vi uma cena bonitinha e rapidinha. Tinha dois
pedintes na escadaria. Um deles, pegou um saco com bisnaguinhas e dividiu com o
seu companheiro de “trabalho”. Eles
conversavam alegremente compartilhando daquele pão. Em seguida uma pessoa sai da
igreja, e rapidamente ele pára de comer
e estende sua mão para a pessoa (acredito que seja algum trabalhador conhecido
da região), que bate brincalhonamente em
sua mão e eles riem, trocam palavras de
gozação como velhos amigos. Nesse interim, entrei na igreja, peguei alguns
trocados na bolsa, fiquei alguns minutinhos contemplando a sua construção. Logo
em seguida, saí e entreguei para aquele
morador de rua tão sujo por fora, mas tão limpo por dentro, que me agradeceu
com um imenso sorriso.
Atravessei o viaduto de Santa Ifigência e novamente estava na Estação São Bento. A artista de rua
ainda cantava suas últimas melodias. Atraquei ali por mais um tempo. Peguei o
metrô e retornei cansada para a casa. É claro que não deu para ver cada detalhe
de Sampa, mas deu para caminhar nessa megalópole e ver um pouco do seu charme
efervescente. Ainda pretendo conhecer
outros bairros... mas vamos com calma né.
Percebendo Sampa
Deguste-a, perceba sua sinestesia
Sua arte, por toda a parte.
Contemple a sinfonia de cores, cheiros, sabores
Perceba os rumores e dissabores.
Ao chupar uma bala, retire o seu invólucro,
Ao fazer uma selfie, contemple primeiro seu entorno
Tente sair de tempos
em tempos do seu pequeno universo de cinco polegadas
Perceba polegares sujos da poeira da vida
Do pó do asfalto, dos prós e dos contras
Das escolhas e do encurralamento
Tente perceber as cenas, quase imperceptíveis
Tragadas pelas lamúrias
Que ecoam entre uma caixa e um fone de ouvido
Das angústias, das preocupações
Que surgem como densas nuvens escuras
Num dia imperceptivelmente ensolarado
Mas despejadas no confessionário tele móvel
Telepático, ente apático.
Sinta...
Do asfalto pode brotar a flor
Do pedinte, o sorriso mais lindo, quase sem dentes
Das mãos sujas e marcadas, o compartilhar do pão
Da vida livre e descompromissada, a leveza de ser
Do olhar sujo pela fuligem, a honestidade
Das roupas sujas e rotas, emaranhados de dignidade.
De tais, é o reino dos céus, pois não tem nada, mas nada
parecido com os políticos, fétidos, desalinhados e desonestos de Brasília.
Lina Linólica - 04/11/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário